Poesia no Corpo
Quando
aceitei a brincadeira não imaginei que iria tão longe.
Como um
cirurgião, ele preparou seu equipamento, com calma e precisão. Enquanto abria o
pote de tinta, seus olhos não saíram dos meus. Pousou o pote no ponto exato,
onde ele devia estar. Ao lado, desdobrou o pano e colocou a pena sobre ele.
Antes de começar, ele saiu do escritório. Voltou pouco tempo depois com uma
taça de vinho e me entregou, a anestesia da cirurgia, creio.
Ele me
conduziu até seu escritório, colocou um banco alto próximo à sua escrivaninha,
e começou a se preparar. De uma gaveta, um pequeno pote de tinta preta,
nanquim. Também pegou um tecido que parecia ter sido branco, mas estava
manchado com várias marcas de tinta. De outra gaveta tirou uma pena. Era uma
pena vermelha, de um vermelho forte, quase vinho.

Pegou minha
mão esquerda e a apoiou na sua. Com movimentos precisos e calmos, com uma só
mão, ele pegou a pena, molhou na tinta, limpou o excesso, e começou. Senti o
primeiro toque da ponta pena na parte de fora do meu dedo médio e sua pena
deslizando pela minha mão, pulso, ante-braço. De tempo em tempo, ele parava,
levava a pena ao pote, molhava, tirava o excesso da tinta e voltava ao meu
braço. Seguia assim, palavra a palavra, até meu ombro. Senti um ponto final.
Molhou a pena e voltou. Levantou de leve a alça de minha blusa e começou uma
nova linha, acompanhando a linha de meu ombro, nuca, até o outro ombro.
Levantou a outra alça e ponto final. Descansou a pena no pano. Pegou a taça de
minha mão e pousou na escrivaninha.
Com a pena
molhada novamente, ele iniciou outra linha, descendo de meu ombro direito até
meu dedo médio. Suas palavras tinham o tamanho exato de meu corpo. Cada ponto
final encontrava exatamente o final da linha, nos ombros, nos dedos. Fez assim de novo, agora pelo lado
interno das minhas mãos, pela parte da frente dos meus ombros e pescoço, com
precisão e cuidado. Muita pressão poderia me irritar a pele. Pouca pressão não
escreveria. Força exata da pena contra meu corpo que ficava com a memória em
forma de tinta, secando, como sendo absorvida por meus poros. A cada momento
que parava para molhar a pena, o fazia me olhando nos olhos, como que buscando
inspiração para as próximas palavras.
Com mais
três pequenas linhas escritas no meu torax, ele terminou a primeira estrofe. Leve
ponto final entre meus seios.
Virou-me de
costas e escreveu linhas horizontais usando o v do decote da minha blusa. No
começo de ombro a ombro, depois linhas menores, menores, até o final do decote,
quase no final da coluna e ponto final quase no meu cóccix. Uma linha solitária
ele escreveu na minha barriga, na altura da cintura, quando levantou minha
blusa.
Ele parou,
me alcançou a taça para mais um gole, mais uma dose de anestesia. Saiu, foi à
cozinha e voltou com outro banco um pouco mais baixo, que colocou à minha
frente. Delicamente ele se abaixou e soltou minhas sandálias. Pegou meus pés e
os colocou neste banco.
Antes de
começar a escrever, pegou meus pés, um de cada
vez com força e os massageou, seus dedos entre meus dedos, seus dedos
passando forte na sola de meus pés. Massageou meus pés e tornozelo, como
artista que estica e prepara a tela, como poeta que alisa o papel branco que
receberá sua tinta. Voltou à rotina de molhar a pena no tinteiro, tirar o
excesso e fazer poesia no meu corpo. Escreveu linhas que vinham da parte
superior de meus pés, contornavam meu tornozelo e subiam pelo lado de fora de
minhas canelas; depois contornavam meus joelhos e deciam pela parte de dentro;
volta no calcanhar e parte de trás. Ponto final atrás dos joelhos. Joelhos, até
onde ia minha saia.
Vi nos seus
olhos serenos, na forma como voltou a pena ao tinteiro, que ainda havia mais
inspiração no meu poeta. Puxei minha saia até quase o quadril e lhe ofereci
mais de meu papel para sua pena. Meu corpo pedia sua tinta e fiquei de olhos
fechados enquanto sentia sua escrita deixando palavras em minha pele arrepiada.
Nas minhas coxas suas linhas eram verticais, até quase a altura da virilha. Com
uma almofada no chão, ele se deitou para escrever nas parte traseira de minhas
coxas. Eu na beirada do banco, olhos fechados, respirando fundo, sentido sua
poesia tomando meu corpo todo. Suas linhas subiam dos joelhos, como subia a
sensação dentro de mim. Últimas duas linhas na parte interna de minhas coxas.
Após seu
último ponto final, imprimi minha poesia no seu corpo.
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